Contribuições previdenciárias e gratificações pagas sem habitualidade

Contribuições previdenciárias e gratificações pagas sem habitualidade

Publicado em 2 de abril de 2024
Por Thaiane Correa Cristovam

A seguridade social, que compreende os direitos à saúde, à previdência e à assistência social, é um dever constitucional atribuído tanto ao poder público quanto à iniciativa privada. Não é por outra razão que o artigo 195 da Constituição prevê que o seu financiamento será realizado tanto pelos entes da Federação (União, estados, Distrito Federal e municípios), quanto por contribuições sociais à cargo do empregador/empresa, do trabalhador e do importador de bens ou serviços do exterior.

No que tange às contribuições sociais devidas pelas empresas e empregadores, elas estão regulamentadas pela Lei nº 8.212/1991, mormente pela previsão do artigo 22, I, e incidem sobre “o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho”.

Natureza das verbas

A redação dessa disposição legal levou ao Poder Judiciário inúmeros debates sobre o que, dentre as diversas verbas pagas aos empregados por uma empresa, teria essa natureza jurídica de remuneração. Nesse contexto, os tribunais brasileiros firmaram entendimento no sentido de que verbas alcançadas aos empregados que tenham caráter remuneratório devem sujeitar-se à incidência de contribuições previdenciárias (patronal, SAT/RAT e terceiros).

Diversos tipos de pagamentos foram submetidos pelas empresas brasileiras ao crivo do Judiciário no que toca à análise de sua natureza jurídica de pagamentos feitos aos colaboradores. Isso porque, se de natureza remuneratória, as verbas são consideradas salariais, de forma que estão a compensar o trabalhador pelo seu labor, e, por conseguinte, devem sujeitar-se à incidência das contribuições previdenciárias.

Por outro lado, se de natureza indenizatória, as importâncias visam recompor o patrimônio do empregado por algum dispêndio ou situação da vida, e não devem submeter-se à incidência das contribuições previdenciárias.

É dizer que esta diferenciação possui impactos diretos na carga tributária das empresas no que tange às contribuições previdenciárias: patronal, SAT/RAT e terceiros.

Neste sentido, por exemplo, podemos citar os debates travados a respeito da incidência de contribuições previdenciárias sobre: (1) gratificação por tempo de serviço; (2) salário maternidade; (3) aviso prévio indenizado; (4) terço de férias; (5) vale-transporte; (6) auxílio funeral etc., dentre uma ínfima gama de verbas cuja incidência ou não de contribuição previdência foi submetida ao crivo do Poder Judiciário nas últimas décadas.

Súmula 203 do TST e o entendimento do TRF-4

No caso específico da gratificação por tempo de serviço, o Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento sumulado no verbete de nº 203 no sentido de que “A gratificação por tempo de serviço integra o salário para os efeitos legais”. Integrando o salário, esta gratificação deve ser submetida à incidência das contribuições previdenciárias.

O que é intrigante, neste contexto, é a recente decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4 — RS, SC, PR), proferida em julho de 2023, na qual afasta a incidência das contribuições previdenciárias sobre algumas gratificações pagas aos colaboradores da empresa autora da ação, em decorrência do caráter não habitual dos pagamentos.

Isto é, a corte da 4ª Região afastou a Súmula 203 do TST, ao compreender, de forma inovadora e na minúcia da análise do caso concreto a ela submetido, que a “gratificação por tempo de serviço” paga pela empresa aos seus colaboradores “em uma única ocasião” (a cada cinco anos), na forma de prêmio/bonificação por tempo de serviço prestado, não integra a remuneração para fins da previsão do artigo 22 da Lei nº 8.212/91.

Disso extrai-se, na esteira da decisão muito bem acertada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que se está diante da possibilidade de uma nova discussão sobre a natureza de gratificações desta espécie, quando pagas aos colaboradores das empresas sem habitualidade, no que tange à sua submissão às contribuições previdenciárias.

Outras rubricas desta natureza que também podem ser discutidas são aquelas que se enquadram no conceito de prêmio e/ou bônus, tais como: (1) gratificação por tempo de serviço paga em uma única ocasião (na forma de prêmio/bonificação); (2) gratificação de saída; (3) gratificação por produtividade; (4) gratificação por produção; e (5) outros tipos de verbas pagas aos colaboradores que não tenham habitualidade em seu pagamento.

Destacamos que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região não está sozinho no encanamento do entendimento aqui discutido. Isso porque, na mesma linha, também há decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5 — Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe).

Em tempos de insegurança sobre o sistema tributário brasileiro e de expectativa de aumento da carga tributária para alguns setores ocasionada pelos efeitos da reforma já aprovada pelo Congresso Nacional, os contribuintes podem vislumbrar neste tema e no acionamento do Poder Judiciário um potencial suspiro, sobretudo no que tange às contribuições previdenciárias — que são tributos que oneram pesadamente as empresas.

Fonte: Consultor Jurídico
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