O futuro do trabalho na era da IA

O futuro do trabalho na era da IA

Publicado em 15 de abril de 2024
Por Eric Posner

Desafio de longo prazo da IA pode ser preservar empregos num mundo em que o trabalho humano não é mais valorizado.

Discussões sobre as consequências da inteligência artificial para o emprego têm oscilado entre os polos do apocalipse e da utopia. No cenário apocalíptico, a IA deslocará uma grande parte de todos os empregos, ampliando imensamente a desigualdade à medida que uma pequena classe detentora de capital obtém excedentes produtivos anteriormente compartilhados com trabalhadores humanos.

O cenário utópico, curiosamente, é o mesmo, exceto que os muito ricos serão forçados a compartilhar seus lucros com todos os outros por meio de um programa de transferência de renda básica universal ou coisa parecida. Todos desfrutarão de abundância e liberdade, alcançando finalmente a visão de Marx do comunismo.

A hipótese comum em ambos os cenários é que a IA aumentará muito a produtividade, forçando até mesmo médicos, programadores de software e pilotos de avião bem pagos a partir para assistência social ao lado de motoristas de caminhão e caixas de supermercado. A IA não só vai criar código melhor do que um programador experiente; ela também fará melhor qualquer outra tarefa para a qual esse programador possa ser treinado novamente. Porém, se tudo isso for verdade, a IA gerará uma riqueza inédita que até o sibarita mais extraordinário teria dificuldade de esgotar.

Os cenários distópico e utópico reduzem a IA a um problema político: se os deixados pra trás (que terão a vantagem de ser um grande contingente) vão conseguir forçar os magnatas da IA a dividir sua riqueza. Temos motivo para ser otimistas. Primeiro, os ganhos da IA nesse cenário seriam tão extravagantes que os super-ricos podem não se importar em abrir mão de alguns dólares marginais, seja para comprar sua própria paz de espírito ou a paz social. Em segundo lugar, a massa crescente dos deixados para trás incluirá pessoas altamente educadas e politicamente engajadas que se juntarão à tradicionalmente deixadas para trás na mobilização por redistribuição.

Mas há também uma questão mais profunda. Como as pessoas responderão, psicológica e politicamente, à constatação de que não podem mais contribuir para a sociedade por meio do trabalho remunerado? A participação na força de trabalho já vem diminuindo de modo significativo desde a década de 1940 para os homens e, embora as mulheres tenham entrado na força de trabalho em grande número apenas nas décadas de 1970 e 1980, a taxa de participação delas também começou a diminuir. Isso pode muito bem ser reflexo de uma tendência de pessoas na base perdendo a capacidade de converter seu trabalho em valor compensável à medida que a tecnologia avança. A IA pode acelerar essa tendência, defenestrando quem estiver no meio – e também no topo.

Os cenários distópico e utópico reduzem a IA a um problema político: se os deixados pra trás vão conseguir forçar os magnatas da IA a dividir sua riqueza. Mas há também uma questão mais profunda. Como as pessoas responderão à constatação de que não podem mais contribuir para a sociedade por meio do trabalho

Se o excedente social for amplamente compartilhado, pode-se perguntar: “E daí?” No passado, os da classe alta evitavam aceitar empregos e desdenhavam de quem o fazia. Eles ocupavam seu tempo com caça, atividades literárias, festas, atividades políticas e hobbies – e parecem ter ficado bastante satisfeitos com sua situação.

Os economistas tendem a pensar no trabalho da mesma maneira, como simplesmente um custo (“c”) que deve ser compensado por um salário mais alto (“s”) para induzir as pessoas a trabalhar. Como Adão e Eva, eles implicitamente pensam no trabalho como um mal puro. O bem-estar social é maximizado por meio do consumo, não pela aquisição de “bons empregos”. Se isso estiver certo, podemos compensar as pessoas que perdem seus empregos simplesmente dando-lhes dinheiro.

Talvez a psicologia humana seja flexível o suficiente para que um mundo de abundância e pouco ou nenhum trabalho possa ser considerado uma dádiva, e não um apocalipse. Se os aristocratas do passado, os aposentados de hoje e as crianças de todas as épocas conseguem ocupar seu tempo com brincadeiras, hobbies e festas, talvez o resto de nós também possa.

Contudo, pesquisas indicam que os danos psicológicos do desemprego são significativos. Mesmo depois de ajustar pela renda, o desemprego está associado à depressão, alcoolismo, ansiedade, recolhimento social, ruptura das relações familiares, piores resultados para as crianças e até mortalidade precoce. A literatura sobre “mortes por desespero” fornece evidências de que o desemprego está associado a um risco elevado de suicídio e overdose. O desemprego em massa ligado ao “choque da China” em algumas regiões dos EUA foi associado a riscos elevados à saúde mental entre os afetados. A perda de autoestima e um senso de significado e utilidade é inevitável numa sociedade que valoriza o trabalho e despreza os desempregados e desempregáveis.

Como tal, o desafio de longo prazo colocado pela IA pode ter menos a ver com redistribuir a riqueza e mais com preservar empregos num mundo em que o trabalho humano não é mais valorizado. Uma proposta é tributar mais a IA em relação ao trabalho, enquanto outra – defendida pelo economista do MIT David Autor – é usar recursos públicos para moldar o desenvolvimento da IA para que ela complemente o trabalho humano, em vez de substituí-lo.

Nenhuma das ideias é promissora. Se as previsões mais otimistas sobre os benefícios futuros de produtividade da IA estiverem corretas, uma taxa teria de ser assustadoramente alta para ter algum impacto. Além disso, é provável que as aplicações da IA sejam complementos e substitutos. Afinal, as inovações tecnológicas geralmente aumentam a produtividade de alguns trabalhadores, enquanto eliminam as tarefas de outros. Se o governo intervier para subsidiar a IA complementar – digamos, algoritmos que melhorem a escrita ou a codificação -, poderá facilmente acabar tanto substituindo empregos quanto preservando-os.

Mesmo que impostos ou subsídios possam manter vivos empregos que produzam menos valor do que os substitutos da IA, só estarão adiando o dia do acerto de contas. As pessoas que obtêm autoestima de seus empregos o fazem em parte porque acreditam que a sociedade valoriza seu trabalho. Uma vez que ficar claro que seu trabalho pode ser feito melhor e mais barato por uma máquina, elas não serão mais capazes de manter a ilusão de que seu trabalho é importante. Se o governo dos EUA tivesse preservado os empregos de fabricantes de chicotes quando os automóveis substituíram as carruagens, é de se duvidar que essas posições ainda trouxessem muita autoestima a qualquer um que as desempenhasse hoje.

Mesmo que os seres humanos sejam capazes de se ajustar a uma vida de lazer a longo prazo, as projeções mais otimistas de produtividade da IA pressagiam enormes mudanças de curto prazo nos mercados de trabalho, semelhantes ao impacto do choque da China. Isso significa desemprego em grande escala – e, para muitas pessoas, permanente. Não há rede de segurança social generosa o bastante para proteger as pessoas dos impactos à saúde mental, e a sociedade da turbulência política, que resultaria de tal decepção e alienação generalizadas.

Fonte: Valor Econômico
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