O mercado de trabalho está forte demais no Brasil?

O mercado de trabalho está forte demais no Brasil?

Publicado em 2 de abril de 2024
Por Luca Mercadante

Melhoras estruturais não parecem capazes de explicar a força do emprego no Brasil.

 Uma particularidade interessante deste ciclo econômico em diversos países é a coexistência de um mercado de trabalho forte, taxas de juros elevadas e uma desaceleração da inflação. No caso brasileiro, essa força do emprego gera incertezas na trajetória do Banco Central, que pode ter de lidar com mais inflação à frente em virtude de efeitos do aumento dos salários e da massa salarial. Os rendimentos recuperaram o nível pré-pandemia com crescimento de 4,8% no último ano.

Ao mesmo tempo, alguns economistas sugerem que a força atípica do mercado de trabalho brasileiro está associada a mudanças estruturais do emprego que foram trazidas com a aprovação da reforma trabalhista, em 2016. Será possível que os efeitos sejam suficientes para que o mercado de trabalho esteja no “novo equilíbrio” e não superaquecido?

Comecemos do começo. Na última divulgação da PNAD contínua, a taxa de desemprego marcou 7,6%, enquanto a taxa de participação atingiu a marca de 62,1%, ambas as medidas abaixo de suas médias históricas. Aqui alguns questionamentos aparecem. É possível que esse aperto do mercado de trabalho seja causado por uma queda expressiva da taxa de participação. Se as pessoas se mantivessem no mercado não haveria aperto e o desemprego seria mais próximo do neutro, estimado em 9,5%.

Um exercício possível para avaliar o aperto do mercado de trabalho é considerar taxa de participação histórica para avaliar os dados atuais. Os resultados sugerem que, mesmo que a participação fosse a mesma que a do período pré-pandemia, a taxa de desemprego seria apenas ligeiramente mais alta, e ainda abaixo do que é estimado como taxa neutra atualmente. Então a participação é um fator importante, mas não parece ser o único. As ocupações também estão elevadas.

Olhando com mais cuidado para a taxa de participação, vemos que, dentre as pessoas que deixaram mais a força de trabalho, estão aquelas com maior vulnerabilidade social. Renda mais alta e maior escolaridade estão correlacionadas com a participação. No passado, a literatura econômica havia sugerido que os programas sociais brasileiros não afetavam a decisão de trabalhar. Entretanto, os valores dos programas sociais, sobretudo do Bolsa Família, se elevaram consideravelmente, levantando novamente questionamentos sobre o impacto do programa na decisão de trabalho. Em 2019, o Bolsa Família representava menos de 10% da renda habitual do trabalho; atualmente, ele representa mais de 20%.

Poderia ser então que esse aperto só fosse condizente com um novo equilíbrio, mas também não parece ser o caso. As estimativas seguem apontando para taxas neutras mais próximas de 10% do que dos valores registrados pelo mercado de trabalho atualmente. Também não parece haver forte evidência de que a reforma trabalhista possa ter gerado grandes ganhos para essas mudanças do mercado. Os mecanismos sugeridos pela reforma, e que poderiam ser capazes de produzir esses ganhos, ainda não são amplamente utilizados. Desligamentos em comum acordo são aproximadamente 1% dos desligamentos totais, enquanto admissões flexíveis representam menos de 3% das admissões totais.

A conclusão que nos resta fazer é que o mercado de trabalho parece estar, de fato, apertado. Resta saber se a teoria econômica tradicional está certa e se haverá penalização no processo de desinflação buscado recentemente pelo BC.

Os Estados Unidos também vivenciam um momento parecido do mercado de trabalho. Depois da pandemia de covid-19, com a reabertura de economia, há uma convivência pacífica da desinflação com um mercado de trabalho forte. Pesquisadores do Fed de Nova York sugerem que isso é possível, pois a dinâmica de expectativas sobre o mercado de trabalho aponta para uma expectativa de aumento do desemprego e queda da taxa neutra de desemprego, fechando o “gap” e diminuindo a pressão sobre preços (Crump, Eusepi, Giannoni & Sahin, 2024). Essa mesma dinâmica também pode acontecer no Brasil. Expectativas de desemprego apontam para uma elevação da taxa até o final do ano, ao mesmo tempo que se espera que os efeitos estruturais da reforma trabalhista diminuam aos poucos a taxa neutra.

Saber se esse convívio será possível até o final do corte de juros promovido pelo BC ainda é uma dúvida frequente, mas acho que este texto sugere algumas ideias interessantes para avaliar o momento do mercado de trabalho. De fato, o mercado está apertado. Melhoras estruturais não parecem capazes de explicar a força do emprego no Brasil. Além disso, parte dessa força pode estar relacionada aos efeitos das políticas de distribuição de renda, que cresceram muito com relação aos rendimentos. Sobre os impactos para o ciclo, a literatura mais recente sugere que a desinflação pode coexistir com um mercado de trabalho apertado, desde que as expectativas estejam alinhadas.

Fonte: Valor Econômico
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